Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



A ANÁLISE DE VÍDEOS COMO ESTRATÉGIA PARA O ENSINO DE TEATRO

Por Luciana Bilhó Gatamorta

A tradição do Ensino de Teatro no Brasil, seja na ação cultural ou nas escolas de ensino formal, se dá principalmente através de jogos teatrais que têm na improvisação e experimentação livre dos alunos-atores seu principal fundamento. Porém, essa estratégia como a única forma de trabalho, não possibilita que os alunos sejam capazes de ler e apreciar a cena contemporânea na sua complexidade e relação com a tradição do fazer teatral.

Os alunos iniciantes recorrem, em suas improvisações livres, aos conhecimentos que possuem sobre interpretação e teatro que, num país onde o teatro não tem grande espaço como o Brasil, se limita aos modelos dramáticos da TV e do teatro de entretenimento, o que as torna pobre em sua forma e conteúdo. Além disso, esses alunos, quando colocados diante de espetáculos que trazem uma linguagem pós-dramática, são incapazes de apreciá-los na riqueza de sua abordagem estética.

Não é possível fazer ou analisar aquilo que não se conhece. Sendo assim, é fundamental que o ensino de teatro no Brasil, além de fazer com que os alunos experimentem a atuação, possa também ampliar seus repertórios, possibilitando a apreciação do teatro nas mais diferentes formas em que se apresenta, articulando duas importantes áreas do ensino de teatro: o fazer teatral e a formação de público. “Uma nova concepção de ensino de teatro poderia ser implementada, tendo como parâmetro um aprendizado que busque aliar o exercício do fazer, do apreciar e do criticar teatro, com as respectivas conexões históricas e estéticas”1.

Buscando enfrentar essas questões bem como refletir sobre o papel do professor de Teatro, o Prof. Marcos Bulhões - durante a disciplina Encenações em jogo - defendeu um ensino de teatro em que a ampliação do repertório dos alunos seja base para os jogos desenvolvidos nas aulas. Apresentar a tradição teatral na sua riqueza de formas e conteúdos, bem como a valorização da cena brasileira, seria um dos papéis fundamentais do professor de teatro.

Partindo da observação dos conhecimentos que os alunos possuem acerca do fazer teatral, pois uma avaliação diagnóstica dos conhecimentos prévios dos aprendizes é fundamental para um planejamento que pretenda ampliar seu repertório, o professor-orientador pode selecionar alguns procedimentos utilizados por encenadores consagrados para ampliar as possibilidades de jogos e construções cênicas apresentadas pelos alunos-atores, “procedimentos que proporcionem o aprendizado dos fundamentos e das principais modalidades de encenação, especialmente aquelas que permitem a participação de todos na elaboração do texto cênico”2. Assim, a realização de dossiês de grandes encenadores do teatro, é uma ferramenta necessária e importante para o desenvolvimento das aulas.

Esses dossiês são compostos de fotos, roteiros, planos de direção, vídeos, entrevistas, críticas de espetáculos, textos teóricos e todo o material que seja avaliado pelo professor como fundamental para a discussão dos procedimentos artísticos utilizados por um encenador.

Ao desenvolver um tema ou texto, escolhido pelo grupo de alunos-atores como guia para o trabalho, o professor-orientador deve iniciar indagando sobre como o grupo desenvolveria cenicamente o que foi escolhido e deixar que eles experimentem suas ideias. Após essa primeira abordagem, é importante apresentar ao grupo alguns procedimentos cênicos utilizados em encenações modelares, através dos dossiês construídos para essa finalidade. O professor deve selecionar quais os procedimentos a serem discutidos pelo grupo, a forma que serão apresentados, bem como estimular que o grupo pesquise mais a respeito do procedimento ou do encenador objeto de estudo.

Dentro dessa abordagem do ensino de teatro a análise de vídeos é uma estratégia muito rica na discussão de procedimentos cênicos. Embora estar diante da cena ao vivo possibilite a discussão ampla do que seja a ação teatral, o vídeo possibilita visualizar as soluções cênicas que diferentes artistas do teatro utilizaram em seus espetáculos, possibilitando a discussão dos procedimentos sendo realizados em cena.

A análise de vídeos aparece como uma opção que viabiliza a apreciação de diferentes espetáculos teatrais inclusive por aqueles que estão a margem do circuito de teatro. Não substitui a ida ao teatro, mas possibilita que todos possam analisá-lo e aprender com ele, pois uma TV e um DVD ou computador estão a disposição de todos, nas diferentes regiões do país.

Há diferentes formas de utilizar o vídeo nas aulas de teatro. O professor-orientador pode solicitar que os alunos listem os procedimentos utilizados pelo encenador, pode comentar cenas/procedimentos (parando e comentando enquanto assistem), pedir que assistam vídeos pela internet e selecionem cenas para serem comentadas, que “copiem” uma partitura cênica a ser apresentada em uma aula posterior, criem uma partitura a partir de uma cena assistida, entre outras estratégias a serem desenvolvidas pelo professor-orientador.

Ao longo das aulas na disciplina de Pós-graduação Encenações em Jogo, fomos instigados e provocados a analisarmos diversos vídeos dos encenadores Bob Wilson e Pina Bausch, dos grupos La Fura dels Baus e Oficina para discutirmos e experimentarmos os procedimentos cênicos utilizados por eles.

Dentre essas experiências de análise de vídeos, descreverei aquelas utilizadas no trabalho com Bob Wilson e Pina Bausch.

Trabalho com Bob Wilson:

  • Em nossa primeira aula fomos convidados a fazer um roteiro cênico, com cinco quadros, descrevendo aquilo que gostaríamos de dizer em cena.
  • Na segunda aula, analisamos o vídeo do espetáculo Fábulas de La Fontaine de Bob Wilson. O professor solicitou que listássemos os procedimentos cênicos utilizados pelo diretor. Destaco agora alguns deles: câmera lenta, repetição, precisão, pausas, gesto estilizado, luz e sombra, texto justaposto à ação (um não complementa o outro), entre outros. Como tarefa deveríamos assistir outros vídeos de Bob Wilson na internet.
  • Depois da análise do vídeo, o professor solicitou que refizéssemos o roteiro cênico utilizando os procedimentos de Bob Wilson. Esse roteiro cênico foi a base para experimentações do grupo.
  • As experimentações foram realizadas em pequenos grupos onde um dos membros apresentava seu roteiro e dirigia os demais para a realização da cena. Além disso, foi solicitado para colocarmos na cena um personagem/figura que nos chamou atenção nos vídeos assistidos. Essa foi a primeira cena feita por nós durante a disciplina.

Trabalho com Pina Bausch:

  • Foi pedido ao grupo para assistir a diversos vídeos de encenações de Pina Bausch na internet e para escolher duas coreografias para reproduzirmos e ensinarmos aos demais durante as aulas.

  • Depois de fazermos diversas coreografias em pequenos grupos, criamos a nossa a partir das experimentações e citações de Pina Bausch. Fizemos alguns jogos de coro/protagonista a partir das relações criadas com as coreografias. Dessas experimentações nasceram outras cenas dos grupos participantes da disciplina. (Para assistir um desses resultados clique aqui).

Assim, a análise de vídeo aparece como uma estratégia muito rica na ampliação de repertório dos alunos-atores, possibilitando diferentes soluções cênicas e a leitura e apreciação da cena contemporânea.


1MARTINS, Marco Aurélio Bulhões. Dramaturgia em Jogo: Uma proposta de aprendizagem e criação em teatro. Tese de doutorado, São Paulo: ECA USP, 2006, p. ii.

2Ibidem, p. viii.


Bibliografia

DESGRANGES,Flávio. A Pedagogia do Espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

MARTINS,Marcos Bulhões. Encenação em jogo: experimento de aprendizagem e criação do teatro. São Paulo: Hucitec, 2004.

____________________. Dramaturgia em Jogo: Uma proposta de aprendizagem e criação em teatro. Tese de doutorado, São Paulo: ECA USP, 2006.





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