Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



HIPERTEXTO: MIMESE por Rejane Arruda

Introdução:

Pavis introduziu a mimese como ¨imitação ou representação de uma coisa¨ (1): ¨A produção artística (poiesis) é definida como a imitação (mimese) da ação (...) O poeta quer reconstituir a fábula, a estrutura dos acontecimentos¨ (2). Isto em Aristóteles! Já nos néo-platônicos a mimese aparece junto `a ¨imagem do mundo exterior¨ (3): mimese de um semblant! Em Platão ela se articula `a idéia: Na República, livros 3 e 10, a mimese é a cópia da idéia¨ (4).

Levando em conta que a modernidade substituiu a idéia pelo conceito de imagem e forjou-lhe o estatuto de discurso, de simbólico (o significante sustenta a imagem), o teatro se apresenta como modalidade singular de mimese. O cênico possui um estatuto especial, é substanciado por um sistema singular de letras: a letra é o corpo (corpo dos objetos, corpo da luz, atores, dos sons). Se o discurso verbal pode ser impresso na folha de papel, o cênico não pode: apenas no corpo da cena. É a partir da leitura do corpo que significantes serão articulados no discurso cênico.

Um Procedimento Criativo para Compartilhar:

Na disciplina Encenações em Jogo (ministrada pelo professor Marcos Bulhões na Pós - Artes Cênicas - USP) mimetizamos as imagens da cena bauschiana. A mimese da imagem varia a forma da inscrição do corpo em cena. Mantendo-a presente na memória, ponto de partida para o jogo, o ator a apropria, a transforma e resolve problemas com ela – o que indica que não é pura. As resultantes são ¨outra coisa¨, sujeitas aos imprevistos da construção e leitura do discurso. O gestus de Pina não se articula na narrativa, mas evoca o enigma da significantização do corpo que é macerada até o desgaste. Significantes entram em jogo: o gesto hierático, o gesto histérico, relações sociais tipificadas, a risada da mulher (bêbada, festa, traje, relação de gêneros). As imagens são observadas pelos vídeos no You Tube, escolhidas e compartilhadas. Formamos uma grande roda (não antes do aquecimento com a dança pessoal e músicas gostosas onde exploramos variações da inscrição das imagens no corpo). Um a um propõe sua imagem. Se eu proponho todos me seguem, realizando (ao mesmo tempo) o movimento - abstrato ou um gestus: conceito operacional da prática que implica (em Brecht) a relação social ou (em Pina) a inscrição subjetiva. Explico melhor: em Pina o gestus não implica uma relação social historicizada, mas a relação do sujeito com o corpo, que se torna simbólico, significantizado. Improvisamos a mimese com regras: espaço definido, a composição em coro, etc. A imagem firme ¨na mente¨ e outros gestos surgem! Depois o diretor (função em jogo) extrai o que lhe interessa para uma composição (5).

Exemplos Fundamentais da Práxis Cênica:

1. O Espelho Spoliano

Procedimentos-chave de Spolin (O Espelho e Siga o Seguidor) podem ser utilizados na troca e apropriação de imagens bauscheanas.

1. O Espelho.

Foco: refletir perfeitamente o gerador dos movimentos

2. Quem é o Espelho?

Foco: esconder da platéia qual o jogador é o espelho

3. Siga o Seguidor

Objetivo: levar a uma fluência de movimentos através do espelho.

Foco: seguir o seguidor (6)

Durante o jogo Spolin encherta instruções em voz alta, provoca e instala novos impulsos. O instrutor é ativo:

Espelhe! Saiba quando inicia! Espelhe o que você vê! Mudem! Intensifiquem os movimentos do corpo todo! Os dois refletem! Os dois iniciam! Siga o seguidor! (7)

Há exercícios que implicam a mimese da ¨atividade¨. O foco está na imago do objeto (que não está presente). A instrução pontua o começo e o fim das ações.

Descrição: um jogador escolhe um objeto pequeno. Por exemplo, uma barra de chocolate.

1. O jogador realiza uma atividade simples com o objeto: desembrulhando, mordendo, comendo.

2. O jogador repete a atividade dizendo ¨Começo!¨ cada vez que estabelecer um novo contato com o objeto e ¨Fim!¨ quando cada detalhe estiver completado.

3. O jogador repete a atividade o mais rápido possível sem dizer ¨Começo!¨ ou ¨Fim!¨ (8)

A voz de instrução ainda vibra em ecuta (silenciosa) quando começo e fim são borrados - presentes como memória e não mais como regra, pois a regra agora é: ¨fazer o mais rápido possível¨. Há arranjo de elementos em jogo: a atividade mimetizada é um deles.

2. A Partitura de Imagens Barbiana (9)

Barba usa as atividades de ¨empurrar, puxar e lançar¨; formas resultantes da relação com objetos (bastão, pano, etc) e da mimese de imagens extraídas de fotografias e artes plásticas. O ator as encadeia e a isto chama partitura física. O encadeamento é criado antes do improviso. Há o enquadre da ação física pela imagem mimetizada. Os momentos de sutura entre as formas vão evocar novas ações. A partitura guarda a abstração; há tecitura de rastros abstratos que enquadram os momentos de atuação intersubjetiva. A transformação da partitura física pode ser total: até que nada reste das formas originalmente mimetizadas.

Com a Profa. Dra. Elisabeth Lopes, na criação de Bonitinha Mas Ordinária (Teatro Laboratório, USP, 1998), aumentando a velocidade e diminuindo o tamanho das partituras, borramos as formas (não havia mais começo e fim, tudo era uma coisa só e a ação física se anunciou com a transformação da partitura, evocando relação intersubjetiva). A mimese da ação física que surgiu do jogo permitiu a estruturação de uma escrita cênica: jogo sob jogo, mimese sob mimese que encontra lugar no prazer corpóreo. O ato de recepção entra em jogo: o ator lê o corpo agindo como como cênico e ¨varia¨.¨Uma imagem leva a um pensamento que leva a um movimento que leva a uma imagem que leva a um pensamento¨: ouvi de Cristiane Paoli Quito (10) em curso de clown (paradigmático).

Outros Procedimentos (da Minha Práxis):

1. A Imagem Vocal

Brincar com a mimese de imagens para a construção da voz (e do corpo):¨voz de cachorro, de feirista, de Xuxa, de minha avó, freira, padre, voz de piriquito amarelo¨, etc. Dependendo dos outros elementos (por exemplo um texto, que evoca contexto), as imagens de origem são diluída: são o ponto de partida de jogo (e não uma citação).

2. A Associação Instantânea da Ação

A associação de supetão causa a mimese não planejada da ação. Quando atuei no filme O Veneno da Madrugada (Ruy Guerra, 2006) surgiram inicialmente associações com o nome Veneno da Madrugada: cobra e insônia. Depois, com a personagem (Rosário): cruz, calvário. Criei uma fábula falaciosa, segredada: ¨Ela amava algo animalesco e repulsivo, inumano, inominável, espécie de Cavalo¨. Memorizei o texto com a M.A.E. (Memorização Através da Escrita) (11) e, ao mentalizá-lo, o braço tremeu. No set, havia uma cadeira e eu ajoelhei. Foi quando associei ¨rezar¨: eu ¨rezei o texto¨ transformando ¨o rezar¨ conforme o jogo. Não houve a ¨citação¨ da reza; a mimese deixou um traço sem se dar a ler como reza.

3. A Mimese do Jogo Tradicional

A cena é encadeamento entrecortado. Passa por composição: não existe encadeamento linear ¨causal¨. Imagens resultantes dos jogos podem ser mimetizadas e encadeadas: de jogos tradicionais inclusive! Na Cia Ating-Out (12) trabalhei: o samurai, passar o bastão, telefone sem fio, acompanhar a chama de uma vela com os olhos, zipt zapt boing, etc. Encadeamos imagens resultantes e jogamos com fragmentos de textos (já memorizados pela M.A.E.). A imagem resultante de pedra tesoura e papel foi utilizada por Cacá Manica junto ao texto de Müller: ¨Na platéia, mortos empalhados não movem mão alguma!¨ (13).

4. A Mimese não Sistematizada

Há atores que usam a mimese de maneira própria, sem vinculo com a modalidade de sistematização proposta pelo instrutor de jogo. A atriz Caca Manica na montagem de Fora do Eixo - Hamlet Machine, da Cia Ating-Out, se imagina, em certo momento, como um frango desossado. Em outro momento, imagina que suas pernas são ¨cascos de cavalo¨. Ao mimetizar a imago do frango desossado ou cascos de cavalo, constrói um cênico que não se dá `a leitura como frango ou cavalo. O procedimento da mimese está implicado, no entanto.

REFERÊNCIAS:

1. PAVIS, P. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008, pg 241

2. PAVIS, op. cit, pg 241

3. PAVIS, op.cit., pg 241

4. PAVIS, op.cit., pg 241

5. Ver vídeos de Pina Bausch e Bob Wilson para extrair imagens. Exemplos:

http://www.youtube.com/watch?v=5FzUj_XypkQ&feature=related (uma mulher fala, fala, fala, e a roupa vai caindo e ela fica nua e é como se não percebesse).

http://www.youtube.com/watch?v=9y1x_4iWfak&feature=related (uma mulher vestida de coelhinha corre no descampado e cai, cai, se levanta e cai).

http://www.youtube.com/watch?v=C0_uOWJapDA&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=S48yBWKjdUI&feature=related (a mulher é colocada no colo do homem por outro homem mas ele a deixa cair, eles se abraçam e novamente ela é colocada no colo e cai. Ela sempre cai. Eles sempre se abraçam. A mesma ação se repete até a aceleração).

6. SPOLIN, V. O Jogo Teatral no Livro do Diretor. São Paulo: Perspectiva, 2004, pg. 38-39

7. SPOLIN, op.cit, pg. 39

8. SPOLIN, op. cit., pg. 67

9. Ver sobre o trabalho do Odin teatert, cia de Eugênio Barba em

10. Ver sobre o trabalho de Cristiane Paoli Quito em:

11 Ver sobre a Memorização Através da Escrita em

12. Ver http://ciaactingout.blogspot.com

13. Trecho de Hamlet Machine de Heiner Müller.

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