Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



TEATRO FÍSICO E DIÁLOGO POÉTICO NA AÇÃO DA MIMESE

por Bru Palmieri


Introdução

A metáfora da arte como espelho da natureza, corporifica a mimesis ou mimese no qual Abrams (1953: 8) aponta como "provavelmente a mais primitiva teoria estética”. Tanto Dinis quanto Aristóteles viam, na mimesis, a representação da natureza. Contudo, para Platão, “toda a criação era uma imitação, até mesmo a criação do mundo era uma imitação da natureza verdadeira” (o mundo das idéias). Sendo assim, a representação artística do mundo físico seria uma mimese de segunda mão. A Poesia pela qual a linguagem humana é utilizada, é uma “mimese pela voz e distingue-se assim das Artes Plásticas que imitam pela forma e pela cor”. Esta definição permite a Aristóteles estabelecer diferentes formas poéticas, desde a dança que imita apenas pelo rítmo, até a poesia lírica, a tragédia e a comédia, que imitam pelo rítmo, pela linguagem e pela melopéia. Aristóteles, que neste ponto se aparta de Platão ou antes o corrige, a arte imita “os caracteres, as emoções e as ações”. A arte é a poesia, a obra o poema, o poeta o artífice."[1]

Entre as instituições, o sentido do drama, melhor que outra qualquer, reproduz a ação. Num contexto mais alargado, esta temática não somente propõe a pesquisa teórica como a experimentação prática de processos compositivos do artista pela mimetização da ação da cena - dit, bauschiana[2] ,estabelecendo relações com elementos constitutivos das obras literárias, alicerçada no conceito de trabalho compreendido como uma idéia fundamental no movimento de refundação da tradição do corpo cênico efetivado no século XX para a arte de ator; um ator–criador livre dos domínios da literatura, do racionalismo objetivista e do naturalismo. O ator-criador é o ponto de partida para se realizar esta mudança. O seu pensamento é o pensamento do corpo. Os seus objetivos principais são: reconhecer a dramaturgia do corpo do ator como cerne da criação teatral, o fim da dicotomia autor/ator, criador/obra, mente/corpo e a mudança na posição do ator no seu processo de comunicação, migrando de ator-intérprete para ator-criador.

Tais pensamentos estão ligados diretamente ao movimento artístico surgido no início do século passado, na França, liderado por Jacques Copeau (1879–1949), em seus conceitos pedagógicos de poética, ética e estética, o qual advertiu aos artistas, acerca da importância do corpo no processo de criação. Através de sua escola Theatre du Vieux-Colombier, diretor, autor, dramaturgo e ator de teatro francês, Jacques Copeau[3] teve contato com Étienne Decroux (1898-1991), passando a ser considerado e reconhecido como o criador da mímicamoderna. Mestre de Jean Louis Barrault (1910-1994), Marcel Marceau (1923-2007), Lindsay Kemp[4]entre outros, Decroux devotou toda a sua vida ao estudo desta forma de arte, criando uma técnica e uma gramática corporal decodificada e refinada. Proveniente do mesmo movimento iniciado por Copeau, Jacques Lecoq (1921-1999) completa o rol de artistas que formaram a base para o desenvolvimento da Mímica Contemporânea e do Teatro Físico. Menção a um dos mais respeitados profissionais de teatro da atualidade, Peter Brook, influenciado pelo trabalho de dramaturgos como Bertolt Brecht e Antonin Artaud, propõe um teatro de caracterização psicológica dos personagens que torne visível a "invisível" alma humana.

O teatro, mais do que ser um local público onde se vê, é o lugar condensado das ambiguidades e paradoxos, onde as coisas são tomadas em mais de um sentido. Camargo assim o define (2005:1):
“O vocábulo grego Théatron (θέατρον) estabelece o lugar físico do espectador, ‘lugar aonde se vai para ver’ e onde, simultaneamente, acontece o drama como seu complemento visto, real e imaginário. Assim, o representado no palco é imaginado de outras formas pela platéia. Toda reflexão que tenha o drama como objeto, precisa se apoiar numa tríade teatral: quem vê, o que se vê, e o imaginado. O teatro é um fenômeno que existe nos espaços do presente e do imaginário, nos tempos individuais e coletivos que se formam neste espaço".

Isto posto, o século XX caracterizou-se pelo surgimento de novas formas de compreendermos o fenômeno teatral, a exemplo, a teoria do poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês Antonin Artaud, desenvolvida na obra O Teatro e seu Duplo, por tratar-se de uma revolução na forma de conceber essa manifestação artística. Possivelmente, como uma reação diante de fórmulas teatrais esquemáticas e ultrapassadas, Antonin Artaud[5], dizia que o teatro deveria ser considerado como “um Duplo, não da realidade cotidiana e direta da qual foi reduzido a ser uma mimese inerte, mas de uma realidade perigosa e arquetípica”.
Portanto, para tornar-se essencial, o teatro deve nos dar tudo o que pode ser encontrado no amor, no crime, na crueldade, na guerra ou na loucura - vide manifestações artísticas de La Fura Dels Baus em Degustación de Titus Andrônicus, DE LA GUARDIA & De la Guarda* em Fuerza Bruta, e nas cenas insólitas de Pina Bausch em Die Klage der Kaiserin - Part 6 / 8.


CENÁRIO E POSSIBILIDADES

Abordagem

É nesta essencialidade, que tem que ser desenvolvida a idéia de um teatro que ultrapasse todos os nossos preconceitos e que implique uma ação extrema levada aos últimos limites, sem, portanto; deixar de ser uma realidade verossímil. Logo, deve-se conceber um espetáculo dirigido ao orgânico, no qual haja uma mobilidade intensiva de objetos, gestus, signo , que serão utilizados em um novo sentido, uma vez que o teatro necessariamente requer uma expressão no espaço, e a não sujeição do teatro ao texto no cenário contemporâneo. A partir deste entendimento, procura-se discutir a dimensão volitiva e consciente na busca de organicidade e precisão no trabalho de composição da ação física do ator. Propõe-se, ainda, uma reflexão acerca do conceito de ator-bailarino, entendendo que se trata de uma noção híbrida instalada num campo investigativo que refuta a dualidade de alguns binômios firmados historicamente, no qual movimento abstrato e ação física dialogam na perspectiva da criação de uma dramaturgia pautada no movimento e na fisicalidade do ator-criador; em um processo de atuação e criação da cena teatral pela (não)verbalização do texto e/ou glossolalias em linguagem física; assim denominado Teatro Físico. Temos também testemunhado a uma particular e apelativa convergência intelectual e institucional entre a história e filosofia da arte e o estudo cultural do espaço, por um lado, e a história do teatro e teoria, sobre a outra. Esta convergência é motivada por uma idéia de cultura que incorpora três interbloqueamentos sob a perspectiva da pesquisa: um objeto de base (performance visual e suas inter-relações), um institucional (abordagem da investigação multidisciplinar), e uma teórica (a interrogação filosófica da natureza social de visão e visualidade, sobretudo nas suas formas teatralizadas).


REGISTRO

O campo da Arte Dramática abraça o estudo da história e estética dessas artes performáticas, pela importância da Performance como linguagem artística, mas infelizmente, um veículo de comunicação tão pouco conhecido, e levianamente empregado a qualquer proposta vulgo denominada 'criação artística', e que fuja do convencional, obviamente. A Performance não é/está, representada por meio de habilidade ou simples destreza física do artista. A Performance como expressão artística, nunca foi, não é, e jamais será Teatro Experimental e anos - luz às teorias de Teatro Experimental de Grotowski, Brecht, Gurdjieff bem como dos trabalhos de Gordon Craig e Stuart Davis. No Brasil, o que se afasta do convencional, da forma e estética, é denominado vanguarda ou pós-moderno. No entanto, uma Performance, na Performing Arts, geralmente inclui um evento no qual o(s) Performer(s), se comporta(m) de maneira particular a outro grupo de pessoas (a platéia). Entretanto, a linha divisória entre Performer e platéia, torna-se tênue. A Performance se divide em vários gêneros, que por sua vez, se dividem em subgêneros, e estes; em sub/subgêneros, e a nós, expectadores, nos cabem compreender qual via de atuação o Performer performa.


DO PRAZER DE PENSAR À SATISFAÇÃO DE ATUAR

Dinâmica de movimento: escalas corporais, presença cênica, coro e arte do improviso e criação.

No âmbito da disciplina “Encenações em Jogo” no curso de Pós Graduação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, CAC/ECA/USP, ministrado pelo Prof. Dr. Marcos Bulhões; a prática desenvolveu-se em procedimentos via criação de roteiros cênicos, em quatro diferentes etapas, sendo a última desenvolvida a partir da criação de um roteiro de um texto de Gertrude Stein, cujo processo laboratorial – conduzido por um “diretor e seus atores”, na forma colaborativa e participativa de criação de repertório – manifestação do teatro dito pós-dramático; evidenciava-se a cada encontro semanal, pela consistência na experimentação de procedimentos criativos, através da composição de partituras físicas e vocais, em diálogo físico – textual, e objetos e aspectos encontrados na prosa poética de Antonin Artaud, como o caráter híbrido na forma poética, o intimismo, os “múltiplos eus” – “Je est un autre”, a abordagem confessional e autobiográfica de uma criação coletiva na medida exata à duração das cento e cinco horas de trabalho disciplinar.


Corporificação: Imagens no corpo e no espaço

Se nos anos 30 o teatro para Artaud é “o lugar onde se refaz a vida”, depois de Rodez ele é essencialmente o lugar onde se refaz o corpo. O corpo refeito e reorganizado, que uma vez libertado de seus automatismos se abre para “dançar ao inverso”. A questão que se coloca é de permitir que o teatro reencontre sua verdadeira linguagem, linguagem espacial, linguagem do corpo, linguagem de gestos, de atitudes, de expressões, de mímica, linguagem de gritos e linguagem sonora, onde todos os elementos objetivos se transformam em signos, sejam visuais, sejam sonoros, mas que terão tanta importância intelectual e de significados sensíveis quanto a linguagem de palavras.

(...) Mímica de gestos espirituais que escandem, podam, fixam, afastam e subdividem sentimentos, estados de alma, idéias metafísicas. Esse teatro de quintessência onde as coisas realizam estranhas meias voltas antes de voltar à abstração. (ARTAUD,1999:71)

DESPIR-SE DO TEXTO & VESTIR-SE DA AÇÃO FÍSICA

Delimitação do problema com os meios disponíveis à investigação

A mímica, que Artaud tanto admirou no teatro de Bali, aproximava-se da idéia da mímica subjetiva de Decroux, que representa os sentimentos e não histórias ilustrativas. Ainda que Decroux e Artaud se diferenciem na formulação de muitas concepções, quando afirmam suas idéias sobre a ditadura do texto no teatro Europeu, parecem compartilhar do mesmo pensamento em relação à dependência do teatro ao texto escrito. Quando Decroux fala que o ator deve ter o corpo de um ginasta com o pensamento de um poeta, remete-nos, diretamente, ao termo atleta do coração usado por Artaud (1999:151). Apesar do seu Teatro da Crueldade não ser baseado na arte da mímica, Artaud certamente tornou-se uma forte referência posterior para o pensamento da Mímica Contemporânea. Os anos 60 assistiram ao regresso de uma utopia, a da preeminência de uma teatralidade ancorada no corpo e na imaginação do ator. O “teatro de texto” é então suspeito de propagar uma cultura morta e inerte, na linha direta de valores denominados ora literários, ora burgueses. O questionamento radical do teatro de repertório e dos “clássicos” que constituem seu esqueleto tornou suspeito, então, qualquer texto de teatro, mesmo contemporâneo, a tal ponto que os autores vivos conheceram ainda maiores dificuldades para ter suas peças representadas nesse período. São o corpo e suas forças secretas e profundas que devem governar o teatro, pensava-se. O Living Theatre, nos Estados Unidos e depois na Europa, Grotowski na Polônia, e na esteira deles muitos dos partidários da criação coletiva, entregam-se à vertigem da improvisação, apelando por vezes com a ressacralização do teatro, com uma eliminação do texto em favor do gesto, do corpo e do movimento, com um contato direto entre o criador demiurgo e o palco.

“A meu ver, ninguém tem o direito de se dizer autor, ou seja, criador, a não ser aquele a quem cabe lidar diretamente com o palco.” (O Teatro e seu Duplo)
O abandono do texto corresponde, nos anos 60, a posições ideológicas. Na afirmação do corpo contra o texto, ou seja, ação física contra oralidade, (e às vezes também contra toda e qualquer palavra), reencontramos a velha desconfiança para com o intelecto e a nostalgia de um teatro popular desvencilhado do peso das palavras: O Teatro Físico.

“Digo que a cena é um lugar físico e concreto que pede para ser preenchido e que se faça com que ela fale sua linguagem concreta". (O teatro e seu duplo)

A afirmação sugere que pensar e ter consciência de pensar são os grandes substratos de existir. E, como sabemos que Descartes via o ato de pensar como uma atividade separada do corpo, essa afirmação celebra a separação da mente, a “coisa pensante” (res cogitans), do corpo não pensante, que tem extensão e partes mecânicas (res extensa). (DAMÁSIO, 1996:279)

“Digo que essa linguagem concreta, destinada aos sentidos e independente da palavra, deve satisfazer antes de tudo aos sentidos, que há uma poesia para os sentidos assim como há uma poesia para a linguagem e que a linguagem física e concreta à qual me refiro só é verdadeiramente teatral na medida em que os pensamentos que expressa escapam à linguagem falada”.
(O teatro e seu duplo)

Neste pensamento “onde se lê o ator-criador”, é referendar novamente o Teatro Físico. Por presentificar a vida, a mímica é encontrada nas mais diversas áreas. Existe a mímica do artista plástico, do bailarino, do ator tradicional, da vida cotidiana. De fato, onde há vida há mímica.

“A habilidade de Picasso de desenhar um touro dependeu de ele ter achado a essência do touro nele mesmo, que liberou as formas dos gestos em sua mão. Ele fazia mímica. O ato da mímica é literalmente o de corporificar e, portanto, compreender melhor". (Jacques Lecoq)

Os nossos gestos cotidianos e expressões são frutos do ato de corporificação, ou seja, da mímica. Tirem a palavra, o figurino do ator, o palco cênico, o edifício teatral e as coxias, deixem somente o ator e seus movimentos para os quais foi treinado, mesmo assim o teatro continuará: o ator comunicará ao espectador através de seus movimentos, dos seus gestos, da sua mímica; o ator pode organizar, sem a ajuda do edifício teatral, o seu teatro como, onde quiser e considerar adequado, dispondo da própria habilidade. (CHAVES, 2001:64)


DIFERENTES ATORES E DIFERENTES PAPÉIS

O Contexto – Construindo e Analisando o Cenário

Segundo Jerzy Grotowski, o teatro pode ser considerado, para muitos professores de literatura, um lugar para dar vida a um texto, mas não para ele. Para evitar mais uma das inúmeras definições desta arte, ele se pergunta sobre o que é indispensável para que o fenômeno teatral aconteça. Ele diz: Pode o teatro existir sem figurinos e cenário? Sim, pode. Pode existir sem a música acompanhando a trama? Sim. Pode. Pode existir sem efeitos de luz? Sim, pode. E sem o texto? Sim; a história do teatro confirma isto. Na evolução da arte teatral o texto foi um dos últimos elementos a ser adicionado. (...) Mas pode o teatro existir sem o ator? Eu não conheço nenhum exemplo disto. Alguém poderia mencionar o teatro de bonecos. Mesmo neste exemplo, porém, o ator encontra-se atrás da cena, embora seja de outro tipo. Pode o ator existir sem audiência? Pelo menos um espectador é preciso para fazer disto uma performance. Bastam uma pessoa que atravessa um espaço e outra que a observa, e todas as condições estão formadas para o milagre do teatro. Para fazer teatro, para examinar e compreender o teatro precisa-se apenas de uma coisa: a matéria humana. O humano como força maior do ato teatral. O Teatro Físico tem uma trajetória singular dentro do teatro contemporâneo, destacando-se na cena nacional (recente) e internacional (desde sempre), buscando manter um constante de renovação, cercado da expectativa de mais um acontecimento teatral inovador. Certamente precisamos antes de tudo de um teatro que nos desperte: nervos e coração. Tudo o que age é uma crueldade. É a partir dessa idéia de ação levada ao extremo que o teatro deve se renovar. Tudo o que há no amor, no crime, na guerra ou na loucura nos deve ser devolvido pelo teatro, se ele pretende reencontrar sua necessidade.


Problema situado no presente, uso da pesquisa-ação

Na vida, as formas são muito fascinantes, sedutoras. Ao mesmo tempo, quanto mais trabalhamos, mais nos damos conta de que as formas são sempre exteriores. Mesmo a forma mais profunda é exterior. Mesmo se você diz “Deus”, a palavra não é a realidade. A forma é um veículo. As formas mudam. Mesmo as cores, que num momento parecem corretas, algum tempo depois já não parecem a mesma coisa. Cada teoria, cada idéia deve ser testada e redescoberta passo a passo. É precisamente o que faz o teatro: ele pretende alcançar a verdade pela experiência. Cada cultura exprime uma parte diferente de nosso atlas interior: a verdade humana é global, e o teatro é o lugar onde esse quebra-cabeça pode ser reconstituído.
Um texto medíocre pode dar origem a apenas algumas formas, enquanto um grande texto, uma grande partitura de ópera, são verdadeiros nós de energia. Sempre nos surpreendemos pela quantidade de formas inesperadas que podem surgir dos mesmos elementos, e a tendência humana a refutar isso é uma redução do universo. O diretor de teatro precisa de uma única idéia – a qual ele deve buscar na vida, não na arte, fruto de sua interrogação sobre o que um ato teatral acrescenta ao mundo, por que ele existe. O teatro é antes de tudo, vida. É o ponto de partida indispensável, e não há nada mais que possa nos interessar verdadeiramente do que o que faz parte da vida, no sentido mais amplo da palavra. Pouco a pouco, perdi todo o interesse por outra coisa que não seja veiculada pelo ser humano.

Nesse sentido, não é uma pesquisa teórica de uma forma que se chama simplicidade. Se buscarmos a simplicidade, estamos liquidados. Não quero uma forma e para alcançar o que pressentimos ser o essencial, é preciso eliminar muito. Os dois caminhos são “fazer em demasia” ou “não fazer o bastante”. São sempre essas duas mãos. Com uma se faz demais e, com a outra, mostramos: Não, não é necessário. Se tentarmos muito rapidamente eliminar tudo – gestus, ações, movimentos, voz, experimentos, texto, repetições, ajustes, vamos à direção errada; e se fizermos em demasia, ficamos saturados. As formas devem se adaptar: seja em Pina Bausch, Bob Wilson, Zé Celso, La Fura... A forma, mesmo que repetida, é a malha entre um conteúdo e a sociedade imediata. A forma do teatro, talvez, será, mais do que o teatro de rua, o teatro de ruínas, e os dois são possíveis.

Diagnóstico

O limite entre o teatro e o “qualquer coisa” no teatro, é muito simples explicar, sem fazer nenhuma discussão semântica ou filosófica sobre o que quer dizer. Há um pintor na Inglaterra que faz quadros com fezes. Antes, houve um que fazia o mesmo com cocô de elefante. Por trás disso há algo que não se sustenta, sem a necessidade de se justificar o certo ou errado. Quase todo mundo que vê um quadro de Picasso ou de Goya percebe a diferença. O pintor dirá “minha merda é tão brutal e realista quanto esse quadro de Goya”. Intuitivamente, sabe-se que não é verdade. Porque um é “qualquer coisa” e o outro é “alguma coisa”.

Relevância – discreta subversão

Mostra antológica de Lygia Pape, protagonista essencial da arte contemporânea, é mais um exemplo da necessária reavaliação da envergadura do legado estético que, por falta de pesquisa de campo e excesso de teorias, está com sua contribuição artística subdimensionada a quase coadjuvante. Lygia fazia aflorar a saudade de uma presença que imantou a cena artística nacional com seus estudos sobre Gestalt, um dos núcleos teóricos do Concretismo. Muito seguramente, por causa da altivez de quem sabe sobreviver – é um nome pouco estudado, seja só no âmbito da vertente construtiva brasileira – da qual foi inconteste pioneira, seja na influência exercida por sua obra, ao irradiar a carga de subversão que engendra a sua própria imagem na tela – Língua Apunhalada; como o estabelecimento de um novo discurso com a participação do sensorial e do social na obra. A sua contribuição nesse contexto, abre caminhos para a compreensão do espaço do corpo no próprio processo de fazer a obra descarnada em puro movimento. Estamos lidando com uma metáfora, com qualquer coisa ou com uma obra de arte?

* Propositalmente, em idioma japonês, no romper fronteiras e compreenções, independentemente do idioma falado, ou seja, TEATRO FÍSICO.


Referência

1. ALMEIDA (sXVI) apud MUHANA, 2006.
2. UOL: Pina Bausch, a insubmissa
3. CAMUS, Albert: Copeau, seul maître, in Théâtre, Récits, Nouvelles; Paris: Éditions de la Pléiade, 1962; p. 1698
4. Lindsay kemp
5. http://www.scribd.com/doc/6587339/Artaud-Antonin-1938-Theater-of-Cruelty-1st-Manifesto, Theater of Cruelty, 1st Manifesto, (1938)
6. GROTOWSKI, JERZY - Sobre o método das ações físicas (GROTOWSKI, 1995:32)


Bibliografia

1. ALMEIDA, Manuel Pires de, Discurso sobre o poema heróico. Manuscrito depositado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), cota: Casa do Cadaval, vol.1, fls.629-37, (1597-1655).
2. MIGNON, Paul-Louis, COPEAU, Jacques, Paris, Julliard, (1993)
3. CHRISTOUT, Marie-Françoise de, GUILBERT, Noëlle, PAULY, Danièle, Théâtre du Vieux Colombier, Éditions Norma, (1913-1993)
4. DECROUX, Etienne, Paroles sur le mime, Gallimard, Paris, (1963)
5. ARTAUD, Antonin, Le Théâtre et son double, Gallimard, Paris, (1938)
6. DOBBELS, Daniel, Le silence des mimes blancs, Paris, La Maison d'à Côté, (2006).
7. PEZIN, Patrick, DECROUX, Étienne, Mime corporel, Les voies de l'acteur, L'Entretemps, (2003)
8. BROOK, Peter, The Empty Space, (1968)
9. BROOK, Peter, The Shifting Point. UK: Methuen Drama. ISBN 0-4136-1280-5. (1988)
10. BROOK, Peter, Le Diable c'est l'ennui, (1991)
11. BROOK, Peter, There Are No Secrets, (1993)
12. CARLSON, M., Performance: A Critical Introduction, London: Routledge, (1996)
13. LEHMANN, Hans-Thies, Teatro pós-dramático
14. MCKENZIE, J., Perform Or Else, London: Routledge, (2000)
15. GUINSBURG, Jacob, Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Perspectiva: Edições SESC SP, (2009)
16. SCHECHNER, R., Performance Studies, London: Routledge, (2003)
17. TAUSSIG, M., Mimesis and Alterity, London: Routledge, (1993)
18. DEBORD, Guy, Construction des situations, Grenoble, Octobre, (2003)

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