Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



O Público e o Teatro Pós-Dramático (por Ailton Ribeiro)

O teatro não existe sem o público. Não há como questionar essa premissa. Fazemos teatro para alguém. Desde o texto, quando há, até a concepção da direção está pautada na relação teatro x público. Quando faço, faço para alguém. E como eu quero que esse alguém veja, sinta, perceba, entenda meu trabalho é que vai determinar o direcionamento do espetáculo. “.. a presença de um grupo de espectadores (o público) é a diferença fundamental entre o Teatro e qualquer outra forma de arte” (Courtney, p. 205). Flávio Desgranges em seu livro A Pedagogia do Espectador propõe questionamentos sobre Por que ir ao público? Para fazer o que? Dizer o que? Pra quem? (pág. 26) e reafirma com Eugenio Barba que diz que para se fazer uma grande reforma no teatro há de se passar pela questão: por que fazer teatro? Para se fazer teatro é preciso ter vontade de dizer algo, para alguém e querer a contrapartida disso.

A minha necessidade de falar sobre público veio da participação na disciplina Encenações em Jogo: experimentos de criação e aprendizagem do teatro contemporâneo, ministrada por Marcos Bulhões na ECA . Os conteúdos abordados estavam relacionados aos procedimentos de criação de alguns artistas que fazem parte da cena contemporânea mundial com características de teatro pós-dramático, como Robert Wilson, Pina Bausch, La Fura Dels Baus e José Celso Martinez Correia. Mas a meu ver, não é possível discutir teatro contemporâneo sem mensurar o público. As várias vertentes de teatralidade disponíveis no mercado estão atreladas às formas de ver o espetáculo. As variáveis no espaço físico, a utilização ou não de textos dramáticos, a utilização da mídia, está intrinsecamente ligado a novos procedimentos do olhar, a novas leituras, a novas formas de envolver a platéia. Uma arte que só existe a partir das reações dessa platéia.

As mudanças científicas, tecnológicas e sociais vem modificando o comportamento das pessoas na sociedade atual. Para um público acostumado a assistir televisão e filmes blockbusters, qual o tipo de teatro que fará parte desse perfil? Não quero aqui mensurar a qualidade do espetáculo, mas sim a estrutura da linguagem, a interação desse público. Cabe então propor novas formas de relacionamento com esse público, novas concepções teatrais, buscando um diálogo com essa realidade em transformação. E foi isso que os artistas citados acima fizeram. Robert Wilson é considerado por Hans-Thies Lehmann como um ícone do teatro pós-dramático. Segundo Lehmann “O teatro de Wilson é um teatro das metamorfoses. Ele atrai o espectador para o mundo de sonhos das transições, das ambigüidades, das correspondências”, essa metamorfose leva a uma outra percepção, motivado pelo estranhamento, pela desconstrução, pela disjunção e justaposição que foram procedimentos de escrituras cênicas analisadas a partir de vídeos e debatidas em sala durante as aulas. A dança-teatro de Pina Bausch através de espetáculos de longa duração, repetição e gestus levam às vezes seu espectador ao seu limite da resistência. Tempo esse que o espectador terá para estranhar, resistir, refletir, permitir, provocando experiências inusitadas. Segundo depoimento da própria Ciane Fernandes:

“Com o passar do tempo, vou ficando mais cansada, e meu corpo gradualmente relaxa na cadeira; fico menos crítica e mais receptiva a experiências surpreendentes, como súbitas mudanças na atmosfera cênica. Então, cenas são repetidas em diferentes contextos, ou com pequenas diferenças, num constante jogo entre imagens e conceitos novos e velhos, transformando minha visão e compreensão dos eventos nos quais agora me incluo.” (2007 p. 58)

Zé Celso reafirma isso quando diz “Eu acho que a presença do público no teatro, depois de algum tempo, libera a percepção.” (2002 p. 140) Para ele o público tem que ser cúmplice das ações do teatro. O teatro depende de uma consistência política na sua concepção original, da polis, da comunicação da sociedade, da cidade. O teatro é um lugar que dá poder e o público busca esse poder (Teatro Oficina). Já a cena ambiental utilizada pelo La Fura coloca o público muitas vezes em atos de risco. Essa mistura de atores e platéias num mesmo ambiente é que vai dar a tônica dos espetáculos do La Fura Dels Baus. Trabalhando também a sensorialidade, o público que assiste a seus espetáculos fica a mercê de surpresas, às vezes desagradáveis. A sensação do que está por vir, cria no espectador um frenesi que o coloca dentro do espetáculo de uma forma definitiva. Não há como escapar daquele desejo de estar ali, mesmo que seu corpo reaja de forma a fugir daquilo.

Neste aspecto acredito que Pina Bausch, Zé Celso e La Fura tem muito em comum. Todos eles colocam a platéia como mais um elemento da cena. Nos seus procedimentos há uma relação muito forte e próxima do público. Eles trazem o público pra cena, às vezes fisicamente. Já Robert Wilson, sem entender como algo negativo, considero mais estético, no sentido mais contemplativo, mas não menos visceral.

O teatro pós-dramático defendido por Lehmann ou performativo como defende Josette Feral traz uma nova abordagem de percepção, de interação com o espetáculo teatral necessários para uma sociedade em constante mutação. As transformações do mundo atual interferem na dinâmica da nossa leitura. As informações são muito rápidas e múltiplas. Cabe ao teatro moderno criar estímulos para manter um diálogo profícuo com a sociedade.

Referências Bibliográficas
COURTNEY, Richard. Jogo, Teatro & Pensamento. São Paulo: Perspectiva, 1974.
DESGRANGES,Flávio. A Pedagogia do Espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Annablume, 2007.

FOLHETIM 12. Zé Celso: O Anarquista Coroado. Rio de Janeiro: jan - mar 2002.
GARCIA, Silvana. Odisséia do Teatro Brasileiro. São Paulo: Senac, 2002.

Bibliografia Complementar
GUINSBURG, J.; FERNANDES, Silvia. O Pós-Dramático. São Paulo: Perspectiva, 2008.

GUÉNOUN, Denis. O Teatro é necessário?. São Paulo: Perspectiva, 1977.

GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. São Paulo: Perspectiva, 2004.

FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade - teatro performativo. Trad. Lígia Borges. Revista Sala Preta, São Paulo, v.1, n.8, pp. 197-210, 2008. Palestra proferida no Encontro Mundial das Artes Cênicas (ECUM). Belo Horizonte, 2008.

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