Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



A mimese na criação de experimento de encenação sobre coreografias de Pina Bausch e encenações do grupo La Fura dels Baus.

Por João Bourbonnais



“Aquilo não é teatro!”, a frase dita por um amigo e colega de profissão, ator respeitado, alguns anos depois de eu assistir (“submergir” seria o termo mais adequado. E mais tarde falaremos da relação peculiar com o público que caracteriza a arte performativa e particularmente o trabalho do La Fura dels Baus (1) http://www.lafura.com/web/index.html) , ao espetáculo “Suz O Suz”, gerou em mim, mais do que uma certa frustração, uma inquietação sobre os possíveis limites, se é que existem, entre o teatro e a performance. “Existe, desde sempre, entre a performance e o teatro, uma desconfiança recíproca que não parou de se desenvolver ao longo dos anos,...” Josette Féral.
Traçado o panorama do teatro contemporâneo pelo presente curso, a impressão que fica é a de que não só, em arte a questão parece irrelevante, como em muitas manifestações da cena contemporânea, os termos são indissociáveis.
Um dos aspectos mais determinantes desse chamado teatro pós-dramático, é o questionamento do drama (mais especificamente a literatura dramática) como alicerce imprescindível para o espetáculo e, conseqüentemente, a abordagem se faz não mais necessariamente “de dentro” do texto dramático “para fora” o espetáculo, mas freqüentemente “de fora”, da forma teatral (o próprio fazer teatral em si) para “dentro”, o conteúdo da representação. Essa abordagem subverte os procedimentos tradicionais: análise de texto (“mesa”), marcação, encenação, para muitas vezes, partir da forma teatral para se chegar ao conteúdo. Essa tendência contemporânea, longe de representar a extinção do drama, como contesta Sarrazac mencionando a obra de Hans-Thies Lehmann “ O teatro pós-dramático”, amplia infinitamente as relações do que se convencionou chamar texto teatral com as possibilidades de encenação. “Para nós que trabalhamos no destino da forma dramática após os anos 1880, quer dizer depois do início do que Peter Szondi identificou como a “crise da forma dramática”: esta autonomia do teatro em relação ao drama e esta exaltação concomitante da teatralidade – no senso barthesiano do “teatro, menos o texto” e do “dado de criação, não de realização” – não significa em caso algum uma perda para o drama, ou ainda mais, a perda do drama. Ao contrário, nós temos razão para acreditar que a forma dramática tem tudo a ganhar com essa dissociação e que, se ela pôde evitar a petrificação e se renovar consideravelmente ao longo do século XX e nesse início do século XXI, foi ampla e paradoxalmente tendo em conta alguns avanços, alguma ambição de um teatro liberto do textocentrismo, do logocentrismo, em breve da tutela da literatura dramática”. (SARRAZAC, 2007)
Um procedimento nem tão novo (se considerarmos que a base da representação para Aristóteles é a imitação), mas aplicado com freqüência, com intenções e resultados mais afins com a contemporaneidade, é a mimese. “Do grego. mímesis, imitação (imitatio, em latim), designa a ação ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou representação da natureza, o que constitui, na filosofia aristotélica, o fundamento de toda a arte.” (Dicionário inFormal).
No caso o exercício exemplificado aqui, a mimese foi utilizada para reunir, colar e reorganizar, trechos de coreografias de Pina Bausch (2) http://www.pina-bausch.de/ Seguindo a orientação do professor Marcos Bulhões, os componentes dos grupos previamente distribuídos, selecionaram a partir de seu interesse e sensibilidade, momentos coreográficos colhidos dentre os vários trabalhos de Pina Bausch, gravados e disponibilizados na internet ou outras mídias. Dando ênfase à percepção do denominado gestus (termo já usado por Brecht em seu Teatro Épico, para designar o gesto/ação teatral artístico, sintético e pleno de significado; social no caso de Brecht). Como todo paradoxo que caracteriza a arte e o teatro em especial (fingir para ser verdadeiro), aqui a mimese se dá não pela imitação da natureza (aristotélica), mas pela imitação do resultado artístico para, através da reprodução e experimentação física, se aproximar e tentar compreender os procedimentos e aplicá-los em outras resultantes artísticas. Sem deixar de levar em consideração evidentemente, todas as características da obra mimetizada como a estética, contexto histórico, movimento, escola, etc.
O exercício seguiu esta ordem: 1) observação dos vídeos 2) seleção dos trechos 3) reprodução do movimento em aula (palco) 4) “roteirização” dos trechos em seqüencia (nesse ponto, em sistema de rodízio, um componente do grupo pode assumir a função de diretor/dramaturgo/roteirista) 5) execução dos trechos pelos elementos do grupo em seqüencia 6) reorganização do material coreográfico, acrescentando música, figurino, cenografia, texto, adereços, etc. 7) confrontação do material coreográfico com o dos outros grupos através de performances conjuntas em sala, criando novas combinações 8) inclusão de outro procedimento presente na criação de Pina Bausch, o depoimento pessoal, com a reprodução de situações cotidianas observadas/vivenciadas pelo atuador. Tudo amparado pelo material de leitura, discussões em classe e palestras apresentadas por Sayonara Pereira (Pina Bausch) e Marcelo Denny (La Fura dels Baus). Antes de trabalhar com as coreografias de Pina Bausch e os espetáculos do La Fura dels Baus, a abordagem sobre o teatro sem literatura dramática já havia sido estudada no trabalho de Robert Wilson (3)http://www.robertwilson.com/
Denominado por muitos, numa redução que desagrada ao diretor, como “teatro de imagens”, o trabalho de Bob Wilson inovou investindo fortemente na plasticidade e ritmo de seus espetáculos. Subvertendo radicalmente a noção de teatro realista, dramático, narrativo e psicológico, deixando para as imagens e tempos a função de comunicação e, mais do que isso, de um “transporte” do espectador para um outro plano, muitas vezes onírico, que remete ao teatro simbolista do início do século XX. Pode-se concluir a partir da afirmação do próprio Wilson “...Eu me perguntava se o teatro poderia fazer o mesmo que a dança e ser somente um arranjo arquitetônico de tempo e espaço. Então comecei a fazer peças que eram principalmente visuais. Comecei trabalhando com certos quadros que eram organizados de certa forma. Mais tarde adicionei palavras, mas as palavras não eram usadas para contar uma estória. Eram usadas mais arquitetonicamente: de acordo com o tamanho da palavra ou da frase, pelo som. Elas eram trabalhadas como música.” (4) que, (de maneira análoga ao efeito causado nas artes plásticas pelo advento da fotografia, levando ao abstracionismo) se o cinema reproduz realisticamente a vida, por que o teatro deve fazer o mesmo no palco e não ser um espaço de criação artística muito mais livre e amplo?
Na finalização do processo, considerando as limitações de tempo do curso, foram adicionados elementos de “linguagem fureira”, como a utilização de um aspirador de pó (surgido de uma observação da aluna Sandra Grasso de uma cena cotidiana), caracterizando a inclusão de elementos industriais à encenação. Como também o deslocamento do público por vários ambientes, onde se desenrolaram etapas da representação, propondo a vivência pelos alunos (enquanto atores e espectadores), evidentemente em escala menor, da “submersão” do público no espetáculo, característica fundamental das encenações do La Fura dels Baus, mencionada acima.
A abordagem não só teórica, mas física e vivencial dos processos desses encenadores contemporâneos, além de informar o aluno, proporcionou ao artista teatral, a ampliação de seus conceitos de teatro. Onde a possível diferenciação entre teatro e performance se torna mais um estímulo à criação, do que um impasse criativo e uma separação de “gêneros”.
E se em vários ramos da arte a mimese é considerada um exercício bastante saudável, como o aprendiz copiar um grande mestre na pintura ou na música até achar sua própria expressão, por que não ser um procedimento útil também nas artes cênicas, pondo em cheque inclusive o conceito de originalidade? Não, evidentemente para copiar a obra acabada (se bem que na pós-modernidade, até o conceito de obra acabada é discutido, com a idéia de work in progress), mas para sondar procedimentos e possibilidades de acesso ao processo criativo, nem sempre sistematizado em métodos.

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1 Grupo de teatro catalão que se notabilizou pelos seus espetáculos polêmicos e visualmente poderosos. Fundado em 1979, começou por fazer espetáculos de rua, imprimindo um novo conceito teatral alicerçado na utilização de numerosos recursos cênicos como música, dança, pirotecnia, uso de materiais naturais e interação com o espectador, criando uma simbiose entre ator e autor, fundindo-se numa mesma criação coletiva. Em 1992, foram convidados para realizar a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona.

2 Coreógrafa, dançarina, pedagoga de dança e diretora de balé alemã. Conhecida principalmente por contar histórias enquanto dança, suas coreografias eram baseadas nas experiências de vida dos bailarinos e feitas conjuntamente. Várias delas são relacionadas a cidades de todo o mundo, já que a coreógrafa retirava de suas turnês idéias para seu trabalho. Entre os seus temas recorrentes estavam as interações entre masculino e feminino. Foi diretora da Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, localizada em Wuppertal. A companhia tem um grande repertório de peças originais e viaja regularmente por vários países.

3 Robert Wilson (
Waco, Texas, 4 de outubro de 1941), também conhecido por Bob Wilson, é um encenador e dramaturgo norte-americano. Suas peças são conhecidas como experiências inovadoras e de vanguarda, trabalhou também como coreógrafo, iluminador e sonoplasta. É conhecido por seus trabalhos em colaboração com Philip Glass em "Einstein on the Beach" assim como com o poeta Allen Ginsberg e os músicos Tom Waits e David Byrne.

4 “Robert Wilson: Interview”, Semio-text, 3, nº2 (1978).22 in Os Processos Criativos de Robert Wilson. Luiz Roberto Galizia, Perspectiva, 2004. p.29.




Referências Bibliográficas


FÉRAL, Josette. Por uma Poética do performativo.

FERNANDES, Ciane. A dança-teatro alemã: considerações estéticas. (capítulo 1) in Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Hucite, 2000.

______ Entre artificialidade e experiência: o gesto re-presentado. (capítulo 3) in Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.

______ O processo criativo do Wuppertal dança-teatro: (des) montando personagens e cenas. (capítulo 2) in Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação.São Paulo: Hucitec, 2000.

GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. São Paulo: Perspectiva, 2004.

PICON-VALLIN, Beatrice. A encenação: visão e imagens. In A arte do teatro: entre tradição e vanguarda Meyerhold e a cena contemporânea. Fátima Saadi (org.). Rio de Janeiro: Letra e Imagem, 2006.

VILLAR, Fernando Pinheiro. O pós-dramático em cena: La Fura dels Baus. in O pós-dramático, um conceito operativo? J. Guinsburg e Sílvia Fernandes (orgs.). São Paulo: Perspectiva.

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