“Repetir”, segundo as acepções possíveis, é “redizer o que se disse” ou “repetir uma experiência”. Em Pina Bausch a repetição se tornou um procedimento cênico recorrente na linguagem de seus espetáculos.
A história mostra que o balé clássico sempre utilizou a repetição como exercício de aprimoramento da técnica do bailarino. Em outras palavras, é preciso repetir para alcançar a perfeição. Na direção do Tanztheater Wuppertal, Pina Bausch manteve a base clássica, mas superou a prática da repetição, elevando-a ao estatuto de estética.
Para a composição da coreografia, o dançarino trazia respostas a questões lançadas pela coreógrafa, na forma de experiências e emoções vividas e, na construção do gesto, baseava-se em movimentos cotidianos. Em seguida, por meio da repetição exaustiva, esse gesto se desvinculava do sentido original e era ressignificado. Nas palavras de Fernandes (2007, p. 42):
A repetição torna-se instrumento criativo por meio do qual os dançarinos reconstroem, desestabilizam e transformam suas próprias histórias como corpos estéticos e sociais. O método é inicialmente usado para fragmentar as experiências dos dançarinos e a narrativa de suas frases de movimento.
A Dança-Teatro alemã recebeu influência das teorias sóciopolíticas e das práticas teatrais de Bertolt Brecht, como o estranhamento, também conhecido por distanciamento. Os processos de Pina Bausch revelavam a presença de gestos estranhados, os quais resultavam da repetição. Esse estranhamento era verticalizado e gerava situações inusitadas. Na visão de Caldeira (2009, p. 59):
As cenas insólitas de Bausch desafiam a lógica, mas é por meio dessa perversão da lógica, que a arte de Bausch adquire uma força de expressividade única, que carrega os traços das lutas do homem contemporâneo e sua contradição com o sistema da cultura.
A idéia era libertar o gesto de sua correspondência com a percepção, realizando uma ruptura com o sentido lógico: “[...] as repetições constantemente fragmentam e separam os significados de suas formas originais” (FERNANDES, 2007, p. 32).
De acordo com Fernandes (2007) a “repetição obsessiva” retira do gesto a sua espontaneidade. Primeiro, o movimento surge como natural e corriqueiro, depois, ganha novos significados, torna-se estético. Segundo Lehmann (2007) é característica do teatro pós-dramático a repetição, empregada na intenção de desconstruir o drama e a unidade de tempo.
Veja trecho do espetáculo “Café Muller”, de Pina Bausch:
Descrição de processo criativo
Na disciplina Encenações em Jogo, ministrada pelo professor Marcos Bulhões, na Pós-Graduação em Artes Cênicas, ECA-USP, pudemos aprofundar o conhecimento dos procedimentos cênicos desenvolvidos por Pina Bausch. O estudo teve as seguintes fases:
-Busca, em vídeos disponíveis na Internet, de gestos bauschianos;
-Escolha de uma música para posterior coreografia;
-Compartilhamento dos gestos com o grupo todo;
-Divisão do grupo em pequenos coletivos;
-Aumento do repertório de gestos e criação de seqüências;
-Busca de gestos estranhados;
-Improvisos, contendo citações de gestos de Pina Bausch;
-Finalização, com breve apresentação.
A repetição foi um procedimento recorrente nos coletivos. A seguir, trecho de um improviso realizado pelo meu grupo:
Referências:
CALDEIRA, Solange Pimentel. O lamento da imperatriz: a linguagem e o espaço em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.
EICHENBERG, Fernando. Vida que se move. Bravo, São Paulo, v.108, p. 84-88, ago. 2006.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São Paulo: Annablume, 2007.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
2008.
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