Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



CITAÇÃO por Laura J. Bruno

Em seu Dicionário de Teatro, Patrice Pavis define citação em três domínios distintos; na dramaturgia, na encenação e no jogo do ator.

Por dramaturgia o autor entende o texto prévio à encenação e, em relação a este, postula: "Citar, efetivamente, é retirar um fragmento de texto e inseri-lo num tecido estranho. A citação está ligada ao mesmo tempo ao seu contexto original, e ao texto que a recebe. O "atrito" desses dois discursos produz um efeito de estranhamento. (...) A separação entre citado e citante nunca é disfarçada em proveito da ilusão. Citar é distanciar-se de si mesmo".

No domínio da encenação, Pavis afirma: " A instância citante é o encenador, ele procede por alusões (nem sempre decifráveis, todas elas, por todos) a outras encenações, a um quadro de pintura. A citação pendura a peça num universo diferente, dá-lhe uma nova luz, quase sempre distanciada. Ela abre um vasto campo semântico e modaliza o texto onde se introduz. No limite produz um efeito especular para a peça remetida incessantemente a outras significações."

Já em relação ao jogo do ator, o autor afirma: " É através do gesto, sobretudo, que o ator afixa seu texto como citação. 'Em vez de querer dar impressão de improvisar, o ator, ao contrário, mostra o que ocorre de fato: que ele está citando.' (Brecht, 1972: 396). A citação é sempre realizada por um efeito de ruptura, de uma interrupção no fluxo verbal e gestual, de uma destruição da coerência do texto e da ficção."

O que parece comum aos três domínios abordados por Pavis é o efeito de quebra de ilusão que a citação, de forma mais ou menos explícita e com maior ou menor grau de sutileza, propicia na obra cênica. Em sua abordagem, fica evidente a necessidade de distinção entre os gêneros dramático e épico para a aplicação do procedimento de citação: "A citação é normalmente – para a forma dramática do teatro ilusionista – banida da dramaturgia. (...) A dramaturgia épica, ao contrário, mostra a origem da fala e seu processo de elaboração por um autor e atores."

No contexto do teatro pós-dramático proposto por Hans Thies Lehmann, a distinção entre dramaturgia e encenação – como formulada por Pavis – perde a eficácia em alguns casos como, por exemplo, da dança-teatro de Pina Bausch. Neste tipo de obra não há um texto prévio em que se pauta a encenação. Ao contrário, esta – juntamente com a própria atuação – pauta a dramaturgia. Segundo Lehmann: "A dança é radicalmente caracterizada por aquilo que se aplica ao teatro pós-dramático em geral: ela não formula sentido, mas articula energia, não representa uma ilustração, mas uma ação. Tudo nela é gesto.” (LEHMANN, 1999).

Na disciplina Encenações em Jogo (Pós-Graduação, ECA/USP – 2010) ministrada pelo professor Marcos Bulhões, o procedimento da citação foi experimentado justamente com a obra de Pina Bausch como fonte. A proposta era extrair algum gestus de suas peças e citá-lo nos exercícios cênicos realizados em grupos. Como faz, por exemplo, Jerome Bel nesta peça de dança contemporânea em que se apropria de gestus da dança balinesa. No campo das artes visuais, onde a prática da citação é bastante difundida – e em larga escala com a pop art – reconhece-se inclusive uma distinção entre citação e apropriação. Neste campo, o trabalho da artista visual Candice Beirtz é um exemplo de uso recorrente da prática de apropriação; no caso, do universo pop. O confronto com outro exemplo no campo da dança, novamente Jerome Bel, ilustra bem como referências similares deste universo podem ser citadas em obras de distintas linguagens. E como o procedimento da citação pode aproximá-las e tornar estas distinções menos nítidas, inserindo tais obras no contexto pós-dramático. Realizada na Bélgica, esta performance de intervenção urbana coloca pertinentemente esta questão, tendo a citação como procedimento chave da criação: é teatro performativo, intervenção, dança, musical; tudo ao mesmo tempo e citando o universo pop do cinema.

REFERÊNCIAS:

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

PAVIS, P. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008, pg. 48.

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