Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



Cena Ambiental (Environment Theatre) (por Christiane Martins)

Pode ser chamada de teatro ambiental, teatro ambientalista ou, ainda, pela nomeação inglesa de environment theatre. Tem como princípio a ocupação total do espaço enquanto área física e tempo (horário), inclusive mesclando cena e espectadores.
Como colocado por Richard Schechner, essa forma de atuação envolve

Literalmente esferas de espacios, espacios dentro de espacios, espacios que contienen, o envuelven, o relacionan o tocan todas las áreas en que está el público y/o actúan los intérpretes. Todos los espacios están involucrados activamente en todos los aspectos de la representación. (SCHECHNER: 1987, p. 14).

Schechner ainda defende que o teatro ambiental é mais do que um teatro que usa o espaço sem limitações, é, também, uma questão de atitude tanto do ator como do espectador, é saber o porquê e o como lidar com esse espaço sem fronteiras. Para o espectador é deixar-se disponível para perder a passividade, já para o ator é saber lidar com esse espectador ativo, onde sua presença é capaz de influenciar e modificar a cena.
Outro fator que é importante ressaltar está no fato do termo teatro ambiental ter surgido a partir de práticas oriundas das artes plásticas, como no caso do environment ou environmental, que diz respeito a trabalhos onde a arquitetura física é incluída na obra (por isso a adoção do nome em inglês de environment theatre).
Isso demonstra o quão interdisciplinar é a cena ambiental, envolvendo áreas diversas como a arquitetura, o teatro e as artes visuais, o que nos coloca numa zona híbrida, que tem como necessidade primeira tornar tudo ao seu entorno parte da obra que se realiza, seja o espaço, seja os espectadores.
É a partir desse viés de entendimento teatral, que podemos entender como se dá parte dos espetáculos realizados pelo grupo catalão La Fura Dels Baus¹.
Grupo revolucionário e anárquico, criado em 1979, em Barcelona, capital da Catalunha, autônoma da Espanha, tal grupo quebrou os paradigmas do teatro tradicional, colocando público e elenco num mesmo espaço, numa espécie de recepção de risco. Além de que, em alguns espetáculos, conta ainda com a ciberpresença ao mesclar vídeos, câmeras, instrumentos junto a performances e encenações teatrais tradicionais.
Essa interdisciplinaridade encontrada no La Fura pode ser entendida como “antidisciplinas, pós-disciplinas ou indisciplinas. Interdisciplinas artísticas seriam intermídias que transgridem fronteiras formais de campos de conhecimentos distintos com seus diferentes conteúdos, métodos e procedimentos” (VILLAR: 2002, p. 48).
Essa característica do La Fura veio de sua influência pelo movimento do Teatro Independiente que marcou a história do teatro espanhol entre os anos de 1960 e 1980, fugindo da boca de cena e contra ao teatro naturalista e realista.
A história do La fura pode ser dividida em três períodos. O primeiro vai de 1979 a 1983, que é quando o grupo trabalha o teatro de rua e utiliza de improvisações e elementos circenses; o segundo vai de 1983 a 1990, que o grupo rompe extremamente e violentamente com as estéticas teatrais, explorando ainda mais meios pluridisciplinares e espaços não convencionais; e o terceiro período de 1990 até hoje, onde os fureros² se associam a outros artistas para criações as mais diversas, desde óperas a propagandas.
É no segundo período que a cena ambiental é mais pertinente no trabalho do La Fura e é deste período que estarei me referindo a diante.
La Fura Dels Baus procura, através de seus espetáculos, colocar o espectador em um espaço desarmônico, expondo a violência urbana, o cotidiano da sociedade moderna e industrial, tudo isso ao som de rock e punk rock. Não há um limite entre espetáculo/espectador, e o uso dos atos de violência permeia o trabalho do grupo, assim como a exposição sexual como meio de confrontar o público e tirá-lo de sua posição passiva e confortável. Trata-se, enfim, de trabalhos criados com a intenção de proporcionar um grande impacto visual, marcadas por formas urbanas. O que faz do La Fura ser mundialmente conhecido por explorar e quebrar com o convencionalismo, expondo elementos novos no campo da performance arte.
A violência na obra do La Fura foi o divisor de águas entre o primeiro e segundo período da história do grupo. Com a apresentação de Accions (1983-1987) a ruptura com a estética adotada até então foi ainda mais impactante. Segundo Edélcio Mostaço:

a cena de maior impacto [de Accions] gira em torno da destruição de um automóvel à força de marretas. Mas também com seus corpos seminus, os atores pintam gigantescas telas (...) em cenas de alto risco físico. Vestidos apenas com tapa-sexos, os atores dão em espetáculo seus corpos despidos, o que permite colocá-los quer no território da obscenidade quer da crítica a ela, dependendo do ponto de vista do espectador. O sexo está tapado, mas numa cena posterior os pênis aparecerão embutidos em latas de Coca-Cola, expandindo as conexões entre poder e suas obscenidades no âmbito da promíscua sociedade de consumo (...) super dimensionando gestos que, originalmente, poderiam ser tomados do cotidiano, mas aqui buscados no vocabulário da violência (MOSTAÇO, apud: GUINSBURG e BARBOSA: 2005).

Essa hibridez da cena furera faz com que percebamos uma discussão muito mais ampla, indo além do artístico. Está inserida nessa linguagem uma discussão sociológica, de referências culturais, a violência da cena denota a violência da própria sociedade em que vivemos, e uma das formas mais diretas de expor tal discussão está em tirar o público de seu ponto de vista confortável, colocando-o em jogos de riscos, e até mesmo como protagonista em alguns momentos do espetáculo, retirando sua passividade e tornando-o ativo na obra.
Como coloca Fernando Villar (2008),

(...) a linguagem furera promove uma aceleração física e sensorial de todos os envolvidos, em um encontro – ou choque – universal de sistemas práticos distintos, questionando definições de identidade e alteridade ou diferenciações definitivas de igual e outro, dependendo das ações cênicas de cada momento. A proposta ambientalista do La Fura pode ser vista como um índice metafórico dos processos criativos dentro dos quais identidades são forjadas, cambiadas e/ou reinventadas, ao invés de prontamente catalogadas, impostas, fixadas ou rotuladas com fronteiras intransponíveis, “me ator/you espectador” ou “minha terra/sua terra”. (p. 219).

Além do La Fura:

Assim como o La Fura Dels Baus, grupos latino-americanos, de reconhecimento internacional, como Fuerza Bruta e De La Guarda, muitas vezes também transformam o público em protagonista da cena, colocando-o numa posição ativa, num jogo não só de risco físico, mas contra as formas dramáticas tradicionais.
De La Guarda foi idealizado, em 1993, em Buenos Aires/Argentina, por Diqui James e Pichón Baldin, que se dividiram em meados de 2006, onde o último manteve-se no De La Guarda, enquanto o primeiro formou o Fuerza Bruta. Contudo, a essência dos dois grupos manteve-se a mesma. O desejo de envolver o público nas cenas, e a invés de uma composição musical que caracterizasse as cenas, houvesse músicas energéticas, capaz de impulsionar o público a se envolver e agir cada vez mais com o que está ao seu entorno.
Assim, o grupo atingiu uma linguagem abstrata, construindo uma linha tênue entre paixão e violência, tendo o teatro aéreo como recurso. A abertura de seus espetáculos funciona como se fosse a abertura de um show de rock, criando um universo que aos poucos leve o espectador a uma catarse, para que saiam do espetáculo se sentindo transformadas e/ou deformadas.
Assim como La Fura Dels Baus, o De La Guarda e o Fuerza Bruta trabalham em espaços não convencionais, onde não há lugar marcado para a platéia sentar (e muitas vezes nem há como sentar), onde a locomoção da platéia é intensa durante o espetáculo, onde cada canto pode ser explorado quando menos se espera.
Foi essa a idéia levada por Juan Martín e Patrícia Malatesta (então ator e técnica aérea do grupo De La Guarda), a meu grupo de teatro Cia Aérea de Teatro, criado em 2003 na cidade de Florianópolis/SC, no ano de 2005, e que deu origem ao espetáculo “Valsa Aérea – a Valsa nº 6 de Nelson Rodrigues”.
Nesse espetáculo procuramos envolver o público, colocando-o junto, no palco, com as atrizes, técnicos, cordas e uma estrutura metálica com cerca de dois metros de altura que se deslocava pelo espaço sem nenhum aviso prévio.
Três planos eram explorados durante o espetáculo, indo do chão ao aéreo, com apoio de técnica circense e de escalada esportiva, o que nos possibilitou saltos, cambalhotas, pulos, vôos, numa tentativa arriscada de levar o público ao lúdico sem esconder nossos truques. Tudo isso ao som da “Valsa nº6” de Chopin.



¹ “Fura” significa furão ou doninha em catalão. “Baus” era um esgoto num povoado próximo a Barcelona, chamado Moiá, onde nasceu parte dos fundadores do grupo.

² Furero(s) e/ou Furera(s): refere-se ao que está ligado a linguagem artística adotada pelo grupo La Fura Dels Baus.


Referências:

SCHECHNER, Richard. El teatro ambientalista. Árbol Editorial, México, DF, 1987.

MOSTAÇO, Edelcio. O Teatro Pós-Moderno. In: GUINSBURG, J.; BARBOSA, Ana Mae (orgs.). Pós-modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005.

VILLAR, Fernando Pinheiro. Interdisciplinaridade artística e La Fura Dels Baus: outras dimensões em performance. In: O Teatro Transcende – nº 11. Blumenau: FURB, 2002. P. 48 – 51.

______________. O pós-dramático em cena: La Fura Dels Baus. In: GUINSBURG, J.; FERNANDES, Silvia (orgs.). O Pós-dramático: um conceito operativo?. São Paulo: Perspectiva, 2008.


Outros links interessantes:

http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/home.php

http://www.infopedia.pt/$la-fura-dels-baus

http://en.wikipedia.org/wiki/La_Fura_dels_Baus

http://es.wikipedia.org/wiki/La_Fura_dels_Baus

http://www.lost.art.br/fura.htm

http://vimeo.com/1510959?pg=embed&sec=1510959

http://aqis.ceart.udesc.br/imagetica_grotesca/wp-content/uploads/2009/09/6-La-fura-dels-Baus.pdf

http://fitei.blogspot.com/2008/04/la-fura-dels-baus-com-boris-godunov-em.html

http://locali.data.kataweb.it/storage/kpm2gloc/images/2008/07/05/803539.pjpeg

http://www.elpais.com/fotografia/cultura/Aspecto/ensayos/obra/Fura/dels/Baus/Imperium/elpfotcul/20070419elpepucul_16/Ies/

http://farm4.static.flickr.com/3120/2704818608_c1e211ddec_o.jpg

http://locali.data.kataweb.it/storage/kpm2gloc/images/2008/07/05/803539.pjpeg

http://epiderme.blogspot.com/2003/10/xxx-de-sade-la-fura-dels-baus-xxx.html

http://www.theage.com.au/articles/2004/02/04/1075853915537.html

http://www.guardian.co.uk/stage/2003/apr/25/theatre.artsfeatures2

CASTRO, Sofia Canelas. La Fura Dels Baus: Teatro para Adultos. In: Correio da
Manhã. Disponível em
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=20823&idCanal=9

CARRASCO, Valentina. XXX: De Sade a la Fura Dels Baus. In: Epiderme. Disponível
em: http://epiderme.blogspot.com/2003/10/xxx-de-sade-la-fura-dels-bausxxx.html

GARCEZ, Bruno. La Fura dels Baus exibe 'pornô made in Minas' em Londres. In: BBC – Brasil. Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/cultura/030424_furadelbausbg.shtml.2003

MENDIZÁBAL, Amaya. Imperium de La Fura dels Baus, una reflexión sobre la
violencia, protagonizada sólo por mujeres. In: Blog Todas.
Disponível em:
http://www.entretodas.net/%C2%ABimperium%C2%BB-de-la-fura-dels-bausuna-reflexion-sobre-la-violencia-protagonizada-solo-por-mujeres

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