Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



A Simultaneidade como procedimento artístico-pedagógico na formação de alunos aprendizes.

Por Renata Ferreira Kamla


A relação entre o professor de teatro e o aluno aspirante a ator pulsou de forma latente durante o estudo na disciplina: Encenações em Jogo. Totalmente, alimentada pelo coordenador do curso, Marcos Bulhões, e pela troca com os colegas, chegava ao meu grupo de alunos transbordando de informações e vontade criativa. Como estimulá-los para a mesma pulsação criativa? Qual o papel do professor de teatro na contextualização da cena contemporânea? Como fazer essa ponte passou a ser o meu desafio durante o semestre.

Num processo da disciplina de interpretação teatral, no Teatro Escola Macunaíma, escola técnica da qual faço parte do corpo docente, tínhamos como tema de desenvolvimento para o semestre: “Grandes Dramaturgos No Contexto Contemporâneo”, cujo objetivo foi estimular a discussão de assuntos contemporâneos de forma mais criativa e ativa, pensei em como trabalhar isso com os alunos aprendizes. Partindo dessa premissa, no início de semestre fizemos: eu e o grupo de alunos, um mapeamento das vontades iniciais e o que surgiu foi muita preocupação com o mundo, com as relações humanas, com o existencialismo e com a crueldade entre os homens. Partimos, então, para o segundo procedimento, já que o tema era grandes dramaturgos no contexto contemporâneo. Tínhamos que pensar na questão do texto dramático. Levantamos algumas hipóteses e chegamos ao texto: A Visita da Velha Senhora de Friedrich Dürrenmatt onde a corrupção permeia a alma de cada ser humano.

Deparei-me, então, com a seguinte questão, como iniciar o trabalho partindo de um texto dramático sem que se cristalizasse o formato do texto realista? Como pensar a cena contemporânea? No texto Cartografia da Cena Contemporânea Matrizes Teóricas e Interculturalidade, Renato Cohen afirma: “opera-se uma nova cena que incorpora a não sequêncialidade, a escrita disjuntiva e a emissão icônica, numa cena de simultaneidades, sincronias, superposição, amplificadora das relações de sentido, dos diálogos autor-recepção, fenômeno e obra.” Assim, durante as improvisações e primeiras abordagens do processo criativo, a simultaneidade foi uma constante primeiro aparecendo espontaneamente e depois estimulada e fundamentada por mim. Segundo o dicionário Aurélio: Simultâneo é um adjetivo que significa aquilo que ocorre ou é feito, ao mesmo tempo, que outra coisa. Procedimento esse que possibilita duas ou mais cenas acontecendo ao mesmo tempo.

No livro "A Arte Secreta do Ator", capítulo 'Dramaturgia' Eugênio Barba(1995), trata exatamente destas questões, de como as próprias ações do ator e o desenvolvimento destas no tempo e no espaço como ações simultâneas, podem gerar um texto dramático. Segundo Barba, o texto dramático são as palavras, os sons, os ruídos, as mudanças de cena, a iluminação, a tridimensionalidade, as ações entrelaçadas tornando-se textura: “as ações só são operantes quando estão entrelaçadas, quando se tornam textura[...]Tudo que trabalha diretamente com a atenção do espectador em sua compreensão, suas emoções, sua sinestesia, é uma ação” que essas ações podem ser tecidas “pelo desenvolvimento da ação no tempo por meio de uma concatenação de causas e efeitos, ou através de uma alternância de ações que representa dois desenvolvimentos paralelos. O segundo tipo ocorre somente por meio da simultaneidade: a presença simultânea de várias ações.” Diz ainda que há a necessidade do equilíbrio entre o texto escrito, dito tradicional e o texto composto a priori pelo ator como matriz de uma encenação, tem que haver o equilíbrio entre pólo da concatenação e o pólo da simultaneidade.

A simultaneidade no cinema acontece de forma mais clara, pois é possível o recorte, os planos, as dimensões. No teatro a dificuldade é maior e por isso o espectador parece não entender, sempre buscando uma lógica, uma unidade, preso ao sistema Aristotélico de pensar. “Isso explica por que um espectador normal, no ocidente, freqüentemente acredita que não compreende totalmente as representações baseadas na trama simultânea de ações e por que ele se encontra em dificuldade quando encara a lógica de muitos teatros orientais, que lhe parecem complicados ou sugestivos por causa do seu exotismo.” (BARBA,1995.pg.68.) É o jogo das ações entre os atores, que faz com que o espectador viva num processo contínuo de experiência participando ativamente do espetáculo para isso faz-se necessário descobrir nas entrelinhas do texto as sutilezas de possibilidade de jogo.

Num primeiro momento a tendência dos alunos é rechaçar essa descoberta, subestimando o espectador achando que não vai entender o espetáculo, neste momento estudamos Desgranges e a sua pedagogia do espectador que nos traz a visão clara da necessidade de instrumentalizar e instigar o espectador para ler teatro. Meu procedimento foi fomentar a exploração e consciência sobre o referido procedimento da simultaneidade, desenvolvidos por vários encenadores contemporâneos entre eles Bob Wilson e Pina Bausch.

DETALHES DAS CENAS DA REFERIDA PEÇA NA QUAL UTILIZAMOS ESSE PROCEDIMENTO

Cena III do Ato I
No final da cena II, a protagonista Claire Zahanassian após ser apresentada para todos depois de sua chegada triunfal na cidade de Gullen, diz: “Quero visitar com Alfredo, os lugares do nosso amor. Enquanto isso, mandem levar ao Apóstolo de Ouro a bagagem, a pantera preta e o caixão de defunto”. Apresentam-se três cenas simultâneas, 1ª: uma seqüência rítmica intensa com partituras de malas sendo carregadas, 2ª: os empregados da rica senhora envolvidos nesse trânsito de pessoas freneticamente se atropelando enquanto objetos cada vez mais esdrúxulos e que não ilustram o texto são transportados e ao mesmo tempo dois cegos que pertencem a Velha Senhora são surpreendidos pelo policia que organiza o tráfego, 3ª: enquanto isso o caixão de defunto atravessa o palco em câmera lenta, três ritmos diferentes, três cenas diferentes, acontecendo ao mesmo tempo. Há também nesta cena o procedimento da câmera lenta muito explorado no teatro de Bob Wilson.

Final do Ato II
A cena se transforma numa estação de trem, o protagonista Schill tenta fugir da cidade, os cidadãos transformam-se no próprio trem que o impede de fugir, e ao mesmo tempo Claire lembra de quando foi expulsa pela cidade, ainda menina e grávida, simbolicamente aparece uma boneca representando a filha morta. Uma cena do presente e outra do passado.
Ver as cenas

Como se tratam de encenações em jogo, alguns procedimentos como a citação de Bob Wilson, repetição, provocação física e sonora da Pina Bausch, foram utilizadas. Quando a mulher de Schill também se sucumbe ao dinheiro e se transforma passa a se vestir como Maryllin Morou, o mordomo da Senhora Zahananssian confunde-se com a figura de Maichol Jacson, a senhora Zahanassian após o seu nono casamento aparece deformada, a morte de Schil tem a risada histérica dos cidadãos e uma repetição de movimento que sugerem Pina Bausch na sua construção. O estudo do grotesto e do patético também serviram de pano de fundo, pesquisamos imagens do pintor Francis Bacon e de Frida Kalo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBA,Eugênio e SAVARESE,Nicola. A Arte Secreta do Ator: dicionário de antropologia teatral. São Paulo-Campinas: Hucitec e Editora da Unicamp, 1995
DESGRANGES,Flávio. A Pedagogia do Espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.
FERNANDES,Ciane. Pina Baush e o Wuppertal dança-teatro: repetições e transformações. São Paulo: Hucitec,2000.
GALIZIA,Luiz Roberto. Os Processos criativos de Robert Wilson. São Paulo: Perspectiva 2004.
MARTINS,Marcos Bulhões. Encenação em jogo: experimento de aprendizagem e criação do teatro. São Paulo: Hucitec,2004
________,Dramaturgia em jogo: uma proposta de aprendizagem e criação em teatro. Tese de doutorado. São Paulo,ECA,USP, 2006.

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