Objetivo

O blog visa compartilhar registros das aulas (anotações, fotos, vídeos) comentários críticos sobre os procedimentos vivenciados, acrescentar textos teóricos, poéticos, sugestão de links, músicas. São 15 tópicos, referente as cada uma das aulas ministradas entre março e junho de 2010. Em agosto de 2010 serão publicados artigos hipertextuais produzidos por cada um dos alunos que focam princípios e procedimentos de encenação.



A HÍBRIDIZAÇÃO E A DESCONSTRUÇÃO NA ATUAÇÃO:

NOVOS PROCESSOS E PERCEPÇÃO CÊNICA DO ATOR

(Por Fabiana M. Silva)



A palavra Mistura de o verbo misturar, traz consigo uma ação bem clara ao executor - para quem age - e nesse caso traz um material precioso ao ator e ao performer. A tessitura de mistura utilizada durante o processo de criação do ator faz com que ele circule por um universo polifônico em seu próprio corpo, o que abre possibilidades de perspectivas múltiplas tanto ao atuante quanto ao espectador – quarto construtor da cena. A tessitura ressaltada deságua no campo da “hibridização”, verbete que exploraremos mais a diante.

As rupturas do modelo dramático tradicional no século XX são classificadas por Hans-Thies Lehmann a partir dos anos setenta, de teatro pós-dramático, sendo um mínimo denominador comum (por mais polêmico que seja o termo) entre uma série de formas dramáticas que tem em comum o intuito de contar histórias. Com a explosão do modelo tradicional dentro da cena alternativa, as questões relativas à atuação como instâncias produtivas do texto cênico a partir de uma dramaturgia corporal, gerada através de um treinamento especifico para o teatro contemporâneo, caminha em paralelo ao desenvolvimento do trabalho do ator dentro do jogo, promovendo a dês-construção, através da hibridização. Segundo o antropólogo Nestor Garcia Canclini a hibridização torna-se útil para reunir vários processos que foram estudados, trabalhados e separados. Por isso, após me deixar atravessar pelos conteúdos abordados na disciplina “Encenações em Jogo”, ministrada pelo professor Marcos Bulhões, re-visitei meu objeto de pesquisa e tornou-me ainda mais desafiador explorar a hibridização como forma de descortinar o olhar e contribuir para uma nova perspectiva da cena a caminho da não representação dentro do acontecimento teatral. Através da carpintaria de Robert Wilson (http://www.robertwilson.com/) é possíveentender que o abandono do modelo “mimese da ação” não leva de modo algum ao fim do teatro, mas reafirma uma potência avassaladora, concentrando-se nos processos de metamorfoses que leva a um outro modo de percepção, no qual “o reconhecimento é continuamente superado por um jogo de espanto. Esse jogo não se situa em nenhum ordenamento de percepção”, segundo Lehmann. Essa mobilização artística entre diversas linguagens não se restringe à encenação de um texto dramático preexistente; mostra-nos que os processos artísticos partem de outras matérias, como o corpo dos atores em risco, das artes plásticas, do espaço e da relação com o espectador. Esses fatores também caracterizam o teatro performativo do trabalho do La Fura Del Baus (http://www.lafura.com/), o primeiro grupo à utilizar a tecnologia em cena no diálogo com a performance.



“O realismo – naturalismo me impõe os significados, impossível de dar saltos.”

Robert Wilson



Partindo da ação para transformação, ao longo das discussões durante a disciplina, nos processos de pesquisa do Teatro D’Adega – grupo do qual faço parte – foram re-visitados caminhos já percorridos na prática da feitura do espetáculo “A Casa de Bernarda Alba”, de Federico Garcia Lorca realizado no ano de 2007 e 2008, onde aplicamos a hibridização como ponto de partida.



Essa proposta – latente no trabalho do grupo – tem a intenção de se afastar da estética naturalista e realista, na medida em que se criem sistemas, significados, remetendo-se à memória que enfatiza o aspecto lúdico do discurso sobre as múltiplas formas encontradas. A proposta parte dos zoomorfos, mais especificamente falando da linha tênue entre o humano e o animal, para o encontro de possíveis personagens.



“O homem é uma corda, atada entre o animal e o além-do-homem – uma corda sobre o abismo.”

Nietzsche



Deixando-me contagiar pelas propostas apresentadas pelo professor em sala de aula, a montagem do espetáculo vigente - “Silencio” – tomou uma dimensão muito maior; experimentando os procedimentos de repetição, musicalização do texto, cena ambiental e roteiro cênico propostos por mim e pelas atrizes, light motive, e a exploração da narrativa distinta da ação. Então, percebemos diretamente o reflexo dos conteúdos no trabalho, já que o intuito é a utilização do corpo enquanto artefato para criação imagética e a quebra constante da ação dramática. Os estudos reverberados chegaram até a estética do artista belga Jean Fabre, (http://www.troubleyn.be/) que expandiu a noção de teatro, concentrando-se no potencial cênico; naquilo que o teatro desenvolve fora da relação com a literatura dramática. A miscigenação presente em seu percurso marca a criação de um trabalho com grande interesse pelo corpo e suas metamorfoses, dentro de um projeto de investigação. Os ensaios do grupo Teatro D’Adega vêem se debruçando sobre a reorganização dos elementos característicos de cada uma das linguagens artísticas a partir das questões norteadoras do projeto “Silêncio”, os re-contextualizando gerando um novo processo de hibridização. Esse olhar fora muito influenciado pela ótica de Fabre, em que a mistura de diversas linguagens artísticas se transformam em fatores constituintes de uma outra linguagem cênica para o teatro contemporâneo. Ao adentrar na nova perspectiva teatral, deixando como pano de fundo o apoio no texto dramático, o tempo-espaço ilusionista e a forma de atuação, onde prepondera a interpretação de personagens, entendemos a construção de uma experiência, em que o acontecimento teatral não se apóia no realismo, mas na tensão entre a realidade do público, dos atores e do universo de símbolos e imagens que consegue projetar.

Através dos procedimentos apresentados, ampliam-se as possibilidades de transformação do corpo no campo das metamorfoses no processo híbrido. Enquanto o teatro dramático preocupa-se com a relação entre dois corpos, o pós-dramático ou performativo interessa-se pelo o que acontece com o próprio corpo, em permanente conflito, entre a pulsão de vida e morte, entre a matéria fluida e a estática, que se expandem do corpo do ator para contaminar as próprias formas artísticas. Esse teatro híbrido reafirma outras experiências, com cada vez menos fronteiras entre as linguagens artísticas.





Referencias Bibliografias



CANCLINI, Nestor. Estudos sobre cultura: Uma alternativa latina americana aos Cultutal Studies. Entrevista – Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 30: agosto 2006.

DAMÁSIO, Antônio R. O Erro de Descartes: razão, emoção e o cérebro humano. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.

FABRE, Jean. The Power of Theatrical Madness. London: ICA, 1984.

FÉRAL, Josette. Théâtralite, Écriture Et Mise em Scéne. Brescia, Ed. Hurtubise HMH, 1985, 271 p.

_______. Os Caminhos do Ator. Train to play. Montreal: Quebec-Amérique, 2001.

_______. Performance e Teatralidade. University of Toronto, 1982.

GALICIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. Ed. Perspectiva, 2004.

PAVIS, Patrice. A Análise dos Espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2003.

SZOND, Peter. A Teoria do Drama Moderno. São Paulo: Cosac Naity, 2004.

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